É fato : a gastronomia está em toda parte. O prazer de comer e de preparar verdadeiras obras de arte também encantaram os mais consagrados escritores , ao ponto de terem em suas obras , vastas citações e até mesmo receitas prediletas como é o caso de Machado de Assis. O exemplo mais farto é o de Eça de Queirós, cujas passagens gastronômicas conta-se em mais de 2000.
Eça de Queirós e alguns jantares memoráveis
Em O Crime do Padre Amaro recorde-se o famoso jantar "todo cozinhado pelo abade de Cortegaça". Participaram o Padre Amaro, o Cónego Dias, o Padre Brito, o Padre Natário. Juntou-se a estes o Libaninho. Servia Gertrudes, "a velha e possante ama do abade".
O jantar: "vasta terrina de caldo de galinha" ("sopa"); cabidela;"côdea de pão ensopado no molho"; ("a cabidela hoje saiu-me boa!... de tentar Santo Antão no deserto!"); "pires de pimentões escarlates"; "frescas malgas de azeitonas pretas"; vagens; broa; "nacos brancos de peito do capão recheado", um bocadinho de asa; vinho da Bairrada em "bojudas canecas azuis"; arroz-doce (o"arrozinho"); vinho do Porto de 1815, de que "não se bebe todos os dias", castanhas molhadas no vinho, pão torrado, café ("todos cambaleavam um pouco, arrotando formidavelmente"), cigarros.
Em O Primo Basílio, há o sempre lembrado jantar do Conselheiro Acácio, para celebrar sua nomeação ao grau de cavaleiro da Ordem de Sant'Iago.
Em A Capital, o jantar literário do Hotel Universal, oferecido por Artur Corvelo, que custou 22 libras.
Em Os Maias, João da Ega adiou o jantar no Hotel Central, para convertê-lo numa "festa de cerimónia em honra de Cohen". Dele participaram, além do anfitrião, o banqueiro Cohen, Carlos Eduardo, Craft, Dâmaso, Tomás de Alencar. Como aperitivo, foi servido vermute. Os criados serviram as ostras. Vinho branco: Bucelas; peixe; "sole normande"; vinho tinto: St. Émilion; poulet aux champignons; ervilhas em molho branco: petits pois à la Cohen; champanhe; ananases, nozes; café; chartreuses e licores; conhaque. O texto toma 24 páginas do romance.
Em A Cidade e as Serras, a José Fernandes, uma noite, Jacinto anuncia "uma festa no 202", por causa do Grão-Duque Casimiro, que lhe ia mandar "um peixe delicioso e muito raro que se pesca na Dalmácia". Em vez de almoço, o Grão-Duque reclamou uma ceia. Serviu-se um Porto de 1834, envelhecido nas adegas do avô Galião. O primeiro serviço: consommé frio com trufas. Vinho branco, Chateau- Yquem. E esperava-se agora o "peixe famoso da Dalmácia, o peixe de S. Alteza, o peixe inspirador da festa!". Eis que o mordomo "balbuciou uma confidência a Jacinto": o elevador dos pratos, ao subir o peixe de S. Alteza, inesperadamente se desarranjou e ficou encalhado. Todos os esforços foram em vão: o peixe permanecia na travessa, em baixo, na treva, entre rodelas de limão, "numa inércia de bronze eterno". O peixe foi abandonado. Serviu-se Chateau-Lagrange (um bordeaux St. Julien); o Barão de Pauillac (peça de carneiro que compreende a sela e as duas coxas); champanhe, ortolan (caça fina); champanhe coalhado em sorvete.
Ainda em A Cidade e as Serras, à chegada de Jacinto à quinta de Tormes, segue-se a primorosa narrativa do chamado "jantarinho de Suas Incelências que não demorará um credo."
E na Correspondência de Fradique Mendes, a cada instante, em cartas, em conversas, se lastima Fradique de não poder conseguir "um cozido vernáculo!".
(Fonte: http://users.prof2000.pt)
Machado de Assis, Relíquias culinárias
Este é o livro de Rosa Belluzzo, onde há algumas comidinhas prediletas do escritor.
Dom Casmurro
"Tínhamos chegado à janela; um preto, que, desde alguem tempo, vinha apregoando cocadas, parou em frente e perguntou:
-Sinhazinha, qué cocada hoje ?
-Não - Respondeu Capitu.
-Cocadinha tá boa.
-Vá-se embora - Replicou ela sem rispidez.
-Dê cá - Disse eu descendo o braço para receber duas.
Comprei-as, mas tiver de as comer sozinho; Capitu recusou.Vi que, em meio da crise, eu conservava um canto para as cocadas, o que tanto pode ser perfeição como imperfeição, mas o momento não é para defenições tais ; Fiquemos em que a minha amiga , apesar de equilibrada e lúcias, não quer saber do doce, e gostava muito de doce."
Carlos Drummond de Andrade
Em sua poema chamado A Mesa , o poeta fala de um jantar imaginário com a família :
A Mesa
"Ai, grande jantar mineiro
que seria esse. . . Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá mais um torresminho.
E quanto ao peru? Farofa
há de ser acompanhada
de uma boa cachacínha,
não desfazendo em cerveja,
essa grande camarada.
ind’outro dia. . . Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?
Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,
que a todos nos une em um
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!"
que seria esse. . . Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá mais um torresminho.
E quanto ao peru? Farofa
há de ser acompanhada
de uma boa cachacínha,
não desfazendo em cerveja,
essa grande camarada.
ind’outro dia. . . Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?
Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,
que a todos nos une em um
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!"
Vinicius de Moraes e a carta ao amigo Tom Jobim
"Vou agora escrever para casa, pedindo dois menus diferentes para minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco bem tostadinho, uma couvinha mineira e, doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo, com arroz bem soltinho e, papos de anjo. Mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer! Daqueles, que se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer, metida em banho morno, em trevas totais, pensando no máximo, na mulher amada. Por aí, você vê como estou me sentindo; nem cá, nem lá!"
Jorge Amado
Dona Flor e Seu Dois Maridos , ensinando sua receita de Moqueca de Siri :
"Ralem duas cebolas, amassem o alho no pilão;
Cebola e alho não empestam,não, senhoras, são frutos da terra, perfumados.
Piquem o coentro bempicado, a salsa, alguns tomates, a cebolinha e meio pimentão.
Misturem tudo em azeite doce e a parte ponham esse molho de aromas suculento,(essas tolas acham a cebola fedorenta, que sabem elas dos odores puros?Vadinho gostava de comer cebola crua e seu beijo ardia).
Lavem os sirisinteiros em água de limão, lavem bastante, mais um pouco ainda, paratirar o sujo sem lhes tirar porém a maresia.
E agora a temperá-los: um aum no molho mergulhando, depois na frigideira colocando um a um, os siris com seu tempero. Espalhem o resto do molho por cima dos siris bemdevagar que esse prato é muito delicado. (ai, era o prato preferido de Vadinho!)
Tomem de quatro tomates escolhidos, um pimentão, uma cebola,tudo por cima e em rodelas coloquem para dar um toque de beleza. no abafado por duas horas deixem a tomar gosto.
Levem depois a frigideiraao fogo. (la ele mesmo comprar o siri mole, possuía fregues antigo, no Mercado . . .) Quando estiver quase cozido e só então juntem o leite decoco e no finzinho o azeite de dendê, pouco antes de tirar do fogo. (la provar o molho a todo instante. gosto mais apurado ninguém tinha). Ai está esse prato fino, requintado, da melhor cozinha, quem o fizer podegabar-se com razão de ser cozinheira de mão cheia. Mas, se não tiver competência, é melhor não se meter nem todo mundo nasce artista do fogão.
(Era o prato predileto de Vadinho nunca mais em minha mesa o servirei. Seus dentes mordiam o siri mole, seus lábios amarelos do dendê. Ai, nunca mais seus lábios, sua língua, nunca mais sua ardida boca de cebola crua ! )"
Érico Veríssimo . O tempo e o vento
"No fundo do quintal preparava-se o churrasco: dezenas de espetos fincados em bons nacos de carne estavam colocados sobre um longo valo raso, no fundo do qual luziam braseiros; a graxa derretida caía nas brasas, com um chiado, e uma fumaça cheirosa subia no ar, enquanto duas pretas de vez em quando mergulhavam ramos de pessegueiro dentro dum balde com salmoura e depois aspergiam os churrascos, trazendo os que ficavam prontos para a mesa, onde eram disputados aos gritos.
Os homens usavam suas próprias facas, que tiravam da cintura ou das botas, e com elas cortavam o assado, muitas vezes respingando o rosto com o sumo sangrento da carne. Nas barbas negras de alguns deles a farinha branquejava como geada sobre campo de macegas recém-queimado.
O dono da casa dirigia o jantar, gritava para os churrasqueadores, recomendando: “Um bem assado!” ou “Que venha uma boa costela!” ou ainda: “Um gordo aqui pró Chico Pinto!” No princípio da festa notara-se um silêncio um pouco constrangido."
Os homens usavam suas próprias facas, que tiravam da cintura ou das botas, e com elas cortavam o assado, muitas vezes respingando o rosto com o sumo sangrento da carne. Nas barbas negras de alguns deles a farinha branquejava como geada sobre campo de macegas recém-queimado.
O dono da casa dirigia o jantar, gritava para os churrasqueadores, recomendando: “Um bem assado!” ou “Que venha uma boa costela!” ou ainda: “Um gordo aqui pró Chico Pinto!” No princípio da festa notara-se um silêncio um pouco constrangido."
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